No século I, a Judeia era uma pequena província submetida à autoridade do imperador e não do Senado - na verdade, sob Tibério, ela não era uma província de direito, mas de facto: constituía um território dependente da Síria, de maneira teórica, é bem verdade. Naquela época, ela estava confiada a um "perfeito" e não a um "procurador", como dizem, de maneira anacrónica, os Evangelhos (ou, pelo menos, sua tradução em latim). O facto de Jesus ser denunciado diante do Sinédrio não apresentava nenhum interesse para o Direito romano. Essa assembleia de notáveis judeus não tinha poderes amplos e não recebia o "direito de espada", isto é, o direito de vida e morte. Mas essa passagem tinha um impacto político e psicológico. Mostrava ao governador o sentimento das elites sociais locais. Embora ele zombasse desse sentimento quando se tratava dos interesses de Roma, tinha interesse de levar em conta o que não dizia respeito directamente à autoridade do império.
O processo de Jesus ilustra perfeitamente o procedimento "extraordinário" porque Pôncio Pilatos agiu na condição de representante do imperador. Ele teve apenas uma fase, portanto, diante do governador que era, ao mesmo tempo, a personagem que "diz o direito" e que pronunciava a sentença. Ali se encontraram as três personagens esperadas; o acusador, o acusado e o representante da autoridade. Os "grão-sacerdotes e os anciãos do povo" conduziram a acusação, relembrando o que foi dito no Sinédrio: Jesus declarara ser o rei dos judeus. Agora era a vez de Pôncio Pilatos intervir. Ele perguntou a Jesus: "Tu és o rei dos judeus?" (Mateus, 27 11). Se Jesus respondesse "sim", ele se colocaria numa posição indefensável: reconheceria a intenção de insultar a autoridade de Roma e de seu imperador. Ele também podia dizer "não" e o governador certamente o liberaria. Mas Jesus não reagiu, não disse nada, o que provocou o espanto de Pilatos. O acusado permaneceu mudo. E, claro, ele era pobre demais para pagar um advogado. Aí o juiz sentenciou. Diante dos clamores do povo e levando em conta a atitude dos notáveis de Jerusalém, ele julgou mais político condená-lo à pena de morte por crucificação. Nesse caso, o condenado não valia grande coisa aos olhos do governador: seu meio social e sua origem étnica não depunham a seu favor. Além disso, sua atitude, seu silêncio o prejudicaram.
O processo termina aí porque Jesus, tendo status de peregrino, não pode apelar. Ao contrário, alguns anos mais tarde, Paulo, que é cidadão romano, pede por duas vezes o benefício da apelação a César e, por duas vezes, vai a Roma. Seja como for, essa audiência com o comparecimento de Jesus diante de Pilatos também está conforme com o Direito romano.
Por fim, o acusado, sobretudo quando é condenado, não se beneficia de nenhuma protecção. Os guardiães, o povo que assiste à aplicação do castigo e os soldados que o aplicam podem lhe infligir sofrimentos suplementares sem que ninguém se comova. Os golpes e humilhações são parte da pena. O suplício de Jesus é, a um só tempo, exemplar e banal. Primeiro são os militares que o fazem padecer. "... E tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça e na mão direita uma vara... e cuspindo-lhe, tomavam a vara e batiam-lhe com ela na cabeça". A turba dá sua contribuição em seguida. "Os transeuntes, abanando a cabeça, o insultavam... os grão-sacerdotes zombavam... Do mesmo modo o ultrajavam também os ladrões, crucificados com ele" (Mateus, 27).
Voltando à questão inicial: Jesus teve um processo justo? Para os cristãos, ele foi vítima do acto mais odioso possível, um deicídio. Para os homens de hoje, ele foi julgado e executado em condições terríveis e cruéis. Mas o historiador não deve julgar em função da época em que ele vive, mas em função da época que estuda. Nessas condições, é forçoso constatar que, do ponto de vista estrito do Direito romano, não há nenhuma ressalva a fazer na maneira como Pôncio Pilatos conduziu o processo.
Autora:Yann Le Bohec professora de história romana da Universidade de Paris IV - Sorbonne.